MUV Viseu – perder com o ás de trunfo de mão e os adversários com a manilha de trunfo seca
Ao comum cidadão, ao utente e aos trabalhadores da MUV Viseu importa a continuidade do serviço público, pouco querendo saber dos aborrecidos pormenores jurídicos e políticos que originaram esta situação. Quanto aos aspectos políticos, não pretendo (por agora) entrar em tal discussão. Mas importa que cidadãos, utentes e trabalhadores percebam alguns problemas jurídicos, cuja resolução não se adivinha fácil, aqui se utilizando uma linguagem mais perceptível ao grande público.
Em primeiro lugar, estamos perante um Contrato de Concessão de Serviço Público. Neste tipo de contratos, um contratante público celebra com uma entidade privada um negócio jurídico em que: esta última, se obriga a gerir e manter em funcionamento um serviço público (artigo 407.º, n.º 2 do Código dos Contratos Públicos - CCP). A concessão, nos termos do artigo 419.º, n.º 1 do CCP integra todos os bens móveis e imóveis afectos àquela e os direitos e obrigações destinados à satisfação do interesse público subjacente à celebração do contrato. Aqui se incluem imóveis, equipamentos e até mesmo contratos, impondo o CCP que no caso de bens afectos à concessão que sejam adquiridos pelo concessionário em regime de locação financeira, seja reservado ao concedente a possibilidade de ficar com esses contatos (artigo 419.º, n.º 7 do CCP).
Este cuidado do CCP em estabelecer o regime dos bens afectos à concessão destina-se a proteger o concedente (no caso o Município) e os utentes, caso o serviço público, por alguma razão, cesse, permitindo-lhe continuar, por si ou por terceiros, a prestação desse serviço público. E é exactamente por isso que o CCP expressamente prevê, em caso de grave incumprimento contratual ou risco de interrupção do serviço público, a possibilidade de o concedente sequestrar a concessão, isto é, de tomar em mãos provisoriamente a exploração directa do serviço público, pelo prazo máximo de 1 ano (artigo 421.º do CCP) ou até mesmo de resgatar a concessão (artigo 422.º do CCP). Em ambos os casos, o concedente assumiria todos os bens, direitos e obrigações afectos à concessão.
Assim, o Município de Viseu dispunha de todos os “trunfos legais” para assegurar a continuidade do contrato de concessão e o mero aviso de que os poderia exercer constituiria uma “destrunfe” do concessionário, que jogou a “manilha” (seca) da cessação de prestação do serviço público, sem que o Município jogasse o Às de trunfo que tinha nas mãos.
Isto dito, os contratos, sejam eles públicos ou privados, só são bons quando são benéficos para ambas as partes. Com isto, pretendo lembrar que o concessionário, quando justificado, goza do direito ao reequilíbrio económico-financeiro do contrato, desde que observados os limites legais e definidos no CCP.
Mas que está aparentemente o Município de Viseu a fazer? Ao invés de seguir a via legal do reequilíbrio económico-financeiro do contrato, está a rescindir o mesmo, substituindo-o integralmente por um contrato de prestação de serviços (onde o risco do privado é quase inexistente) e recorrendo a um ajuste directo para o efeito a celebrar com o próprio concedente que ameaça o incumprimento.
Ora, este procedimento traduz-se materialmente numa alteração ao contrato de concessão anteriormente vigente, pese embora disfarçado de um novíssimo contrato, no que se poderá traduzir numa fraude à lei, isto é, pelo recurso a procedimentos aparentemente legais, para produzir um efeito prático que era negado pela situação anterior, tentando que entre pela janela o que não pode entrar pela porta.
Tal causa a maior perplexidade pelo facto de o Município ter ao seu dispor os mecanismos já referidos para assegurar a manutenção do serviço público, fosse pelo sequestro da concessão, fosse pelo seu reequilíbrio económico-financeiro. Mais perplexidade causa quando o concurso público para esta concessão teve outro concorrente - que até impugnou ao tempo o concurso - e que poderá vir dizer agora (e muito bem) que ainda vigora o Princípio da Concorrência e que nestas condições também prestaria o serviço (denunciando o que se traduziria, na linguagem de Sueca, numa “arrenúncia”).
Há pois, muito que explicar, sobre este atribulado processo, onde quem tem o Ás de trunfo permite ao adversário fazer vaza com a “manilha seca” e se descobre uma “arrenúncia no jogo anterior”, sendo que o Tribunal de Contas não deixará de fazer a sua apreciação.